*Por Laís Duanne, gestora da TETO na Bahia e TETO em Pernambuco
Rejanes, Márcias, Cristianes, Danielas, Marias — consigo lembrar dos nomes de várias mulheres negras que encontrei nas vezes em que pisei em território vestindo a camisa da TETO. Geralmente é uma delas que nos recebe, seja para dar um abraço, seja para se apresentar como referência comunitária, representantes de um coletivo.
Eram todas diferentes, mas igualmente fortes, estratégicas, solidárias. Gosto de defini-las como “fazedoras de futuro”, porque é isso que elas são. Afinal, não haveria nem haverá futuro sem as mulheres negras, que pensaram e pensam, que criaram e criam, que resistiram e resistem, exigiram e exigem, que lutaram e lutam por um mundo onde seja possível existir, vestindo a pele que se veste, de forma digna.
A existência de um dia para celebrar, reconhecer e honrar a luta da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha se faz necessária, pois ainda é preciso chamar atenção, indignar-se, iluminar as múltiplas formas de discriminação e desigualdade enfrentadas pelas mulheres negras em nossa sociedade. Especialmente para aquelas que são atravessadas por outros marcadores sociais, mas também para evidenciá-las como protagonistas de muitas conquistas e avanços para a sociedade.
Esta data foi escolhida em homenagem à corajosa e estratégica Tereza de Benguela, líder quilombola do século XVIII, símbolo de resistência contra a escravidão e pela liberdade de seu povo. É verdade que muita coisa mudou desde o século XVIII até hoje, mas ainda temos um longo caminho a percorrer em direção a uma sociedade onde mulheres negras não precisem lutar contra racismo, opressão de gênero e outras violências. A luta e o trabalho das mulheres negras por um Brasil independente e igualitário é ancestral e atual.
Exemplo disso é a luta de Rejane Quilombola. Assim como a ancestral Tereza, Rejane lidera um Quilombo, o Quilombo Quingoma, situado em Lauro de Freitas-BA, um território de luta e resistência desde 1569. Mesmo com centenas de anos de história, este território ancestral tem sido alvo da especulação imobiliária, com a invasão de empreendimentos irregulares bilionários na Área de Proteção Ambiental do território quilombola. A TETO na Bahia atua em parceria com o Quingoma há nove anos, construindo juntos projetos de habitação e infraestrutura na comunidade. Hoje, Rejane vive sob ameaças de morte por defender seu povo e seu território, ao exigir a demarcação de um território preto, ancestral e sagrado. #TitulaçãoJá #resistequingoma
Portanto, 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, não é um dia para festejar; é uma data para evidenciar a contínua necessidade de resistência dessas mulheres e também para lembrar que o Brasil e o mundo ainda têm um longo caminho a percorrer rumo a uma sociedade verdadeiramente justa, a começar por ocupar os lugares que são nossos por direito.
Afinal, a pouco mais de 2 meses para irmos às urnas exercer nosso direito cidadão de escolher pessoas para nos representar na política, vale relembrar que em 2020, dentre os candidatos a vereador em todo Brasil, apenas 4% eram mulheres negras. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das mais de 518 mil candidaturas registradas, somente 19 mil foram de mulheres negras. Se somos maioria enquanto população negra, por que ainda somos tão sub-representadas também na política?
Mesmo em meio a tanta violação de direitos e necessidade de seguirmos resistindo em pleno 2024, devemos reconhecer a diversidade e a riqueza das experiências das mulheres negras em toda a América Latina e no Caribe: das líderes comunitárias às artistas, cientistas, empresárias e ativistas. A luta das mulheres negras é uma luta por justiça social, por dignidade e por um mundo onde todas as pessoas possam viver livres de discriminação e violência, onde a cor da nossa pele não determine o futuro que será possível.
Como disse Conceição Evaristo: “A sua vida, menina, não pode ser só sua. Muitos vão se libertar, vão se realizar por meio de você.” Seguimos por nós, pelas que vieram antes e criando futuro para as que virão depois. Ainda há muita luta, muita resistência e muito a conquistar.
*Laís Duanne é natural de Pernambuco, formada em Engenharia de Produção pela UFPE, pós-graduada em Gestão de Projetos e possui certificação internacional em Gestão de Projetos Sociais pela PM4NGOs. Com 5 anos de experiência em organizações de impacto social positivo e diversos programas de voluntariado, tem dedicado sua carreira para contribuir com a construção de um futuro mais justo e sustentável para todos. Foi coordenadora social e atualmente é gestora das duas sedes da TETO no Nordeste, localizadas na Bahia e em Pernambuco, onde lidera mais de 180 pessoas voluntárias e a atuação da organização ao lado de 8 comunidades.