A falta de acesso à água e saneamento básico não é novidade no Brasil. Atuando há mais de 10 anos nas favelas mais precárias e invisíveis do país, nós da TETO Brasil nos deparamos com essa realidade e sua urgência a cada nova favela visitada, em cada atividade realizada. Não por acaso, nos esforçamos para ir além da moradia emergencial e desenvolver lado a lado com as moradoras e os moradores das comunidades projetos que atendam de forma urgente a dificuldade de obter água potável ou de ter um banheiro, por exemplo.
A falta de saneamento está intimamente relacionada à pobreza nos assentamentos. Sabe-se que os problemas relacionados ao fornecimento inadequado de água acarreta 3,5 milhões de mortes no mundo (UNICEF) e que, se os governos investissem mais em acesso à água, medidas de higiene e saneamento básico, 10% das doenças registradas ao redor do mundo poderiam ser evitadas (Relatório sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos – ONU-Água).
Além disso, nunca é demais repetir que, para se garantir o acesso à moradia como um direito humano, também é básico ter água, saneamento e segurança alimentar, independentemente da realidade que a desigualdade econômica lhe impõe. Especialmente agora, quando a COVID-19 se espalha e a falta do básico significa a impossibilidade de se proteger do vírus, mas também face a tantas outras doenças correlacionadas ao acesso desigual de direitos básicos.
Por tudo isso, ver o Poder Público, mediante a aprovação da lei 4162/2019, se movimentar para colocar a problemática em pauta e trazer mais investimentos para um setor tão essencial como o de água e saneamento nos parece motivo para celebrar, mas sem deslumbre.
Lembramos que antes dela, muitos outros planos e compromissos já foram assinados e a realidade nos mostra que, se há favelas precárias espalhadas por todo o Brasil, se 13,5 milhões vivem na pobreza e quase 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada, é porque quem vive em situação de vulnerabilidade é sistematicamente ignorado, tanto por poderes e acordos públicos quanto pela iniciativa privada.
“Há quatro anos a gente busca que o saneamento chegue na ocupação. Iria mudar tudo por aqui se a gente pudesse sair da fossa. Mas, a proposta sempre tem que vir da comunidade para o poder público. E quando a gente leva alguma coisa, aperta um pouquinho, eles até topam o diálogo, mas nunca tem solução para gente, a gente nem chega ser levado em consideração”; conta Néia, moradora da comunidade 29 de março, no Paraná, onde em parceria com a Trata Brasil a TETO está desenvolvendo seu primeiro projeto de grande porte: uma rede de esgoto encanado.
Ciente de que a história de Néia não é a única, firmamos nesta nota nosso compromisso de trabalhar para que as demandas das comunidades nas quais atuamos sejam escutadas e ativamente incluídas nos projetos que estão por vir, de forma que o poder de decisão e participação seja algo construído desde a base, com o apoio e supervisão da sociedade civil e também das agências governamentais assim designadas.
Nós comprometemos a seguir em alerta, lado a lado de moradores e moradoras das comunidades, apoiando para que o acesso a itens básicos – e essenciais para a construção da nossa dignidade – seja garantido a esses territórios, com a prioridade e a urgência que eles demandam.
Aproveitamos o espaço para reforçar que, diante da pandemia, a TETO Brasil reviu seus focos de atuação e está organizada para atuar ainda mais fortemente em projetos que apoiem as comunidades mais precárias do país a: 1. Se organizarem e fortalecerem suas potencialidades; 2. Colocar de pé lavatórios, banheiros, cisternas e outros projetos que mitiguem a falta de acesso à água e saneamento; e 3. Construir hortas e sedes que possam servir de refeitórios para apoiar o desenvolvimento da segurança alimentar.