*Por Aline Khouri
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), serão necessários cerca de 300 anos para que mulheres e homens tenham os mesmos direitos e oportunidades no mundo. O alerta reforça a necessidade de ações concretas para acelerar essa mudança e garantir que nenhuma mulher precise esperar séculos para viver em uma sociedade justa. O Dia Internacional das Mulheres, celebrado anualmente em 8 de março, é uma oportunidade para refletir sobre a urgência dessa transformação.
Não se trata apenas de uma questão de justiça social, mas um pilar fundamental para o desenvolvimento sustentável. Estudos mostram que quando mulheres têm acesso a oportunidades iguais, toda a sociedade se beneficia: há maior crescimento econômico, redução da pobreza , melhoria nos índices de saúde materna e infantil, inovação, fortalecimento da democracia, entre outros. No entanto, a disparidade entre os gêneros permanece em toda a sociedade, inclusive dentro do terceiro setor, onde a luta por justiça social deveria se refletir também nas estruturas organizacionais internas.
O Mapa das OSCs (Organizações da Sociedade Civil) revela que as mulheres representam cerca de 65% das entidades. Mesmo assim, essa presença não ocorre nos cargos de liderança, que são majoritariamente ocupados por homens, reproduzindo as mesmas desigualdades vistas no mercado de trabalho tradicional.
Segundo o Censo 2022-23 do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE), os homens ocupam 66% das posições nos conselhos de entidades de investimento social privado. Há ainda a desigualdade salarial: dados do IBGE sobre Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos (Fasfil) mostram que, em média, as mulheres recebem apenas 76% da remuneração dos homens no setor.
Representatividade feminina na TETO Brasil mostra compromisso com a equidade de gênero
Na contramão dessa realidade, a TETO Brasil se destaca como um espaço de forte presença feminina. A maioria (80%) das pessoas contratadas pela organização são mulheres, o que reflete um compromisso real com a equidade de gênero. Quando se analisa o voluntariado, 74,5% são mulheres. Ao contrário dos números de outras organizações, na TETO, as mulheres são protagonistas: lideram projetos, equipes e o desenvolvimento de soluções para reduzir as desigualdades sociais em comunidades vulneráveis.
Entre as pessoas contratadas pela TETO, 80% da liderança é feminina. Além disso, a mesa estratégica da organização (Diretoria Geral, Diretoria de relações institucionais e Gerências) é 100% composta por mulheres. Neste Dia Internacional das Mulheres, conheça algumas dessas lideranças:
Camila Jordan
Neste ano, Camila Jordan assumiu o cargo de Diretora de Relações Institucionais e Incidência da TETO com o objetivo de fortalecer as relações institucionais e ampliar a incidência política para que as favelas mais invisibilizadas sejam reconhecidas e priorizadas na agenda pública. A mudança ocorreu depois de Camila ocupar a posição de Diretora Executiva da TETO por cinco anos, mas seu relacionamento com a organização já tem quase 12 anos.
Em agosto de 2013, Camila tornou-se doadora da instituição e, depois, fez parte do grupo de pessoas voluntárias. Ela foi contratada em abril de 2020 como Diretora Executiva durante um momento muito desafiador, marcado pela pandemia e pelo agravamento das desigualdades socioeconômicas. Licenciada em Engenharia Ambiental pela Universidade Nova de Lisboa e mestre em Administração Pública pela Universidade de Columbia, Camila acredita que a presença expressiva de mulheres na TETO reflete a força feminina no terceiro setor.
“Na organização, essa representatividade se manifesta no protagonismo de voluntárias, lideranças comunitárias e profissionais que atuam diretamente na construção de soluções para os territórios. Mas representatividade não pode ser só uma questão numérica. O compromisso da TETO é garantir que as mulheres, principalmente as que vivem nas favelas e que são as mais assoladas pelo déficit e precariedade habitacional, tenham suas vozes ouvidas e seus direitos garantidos, suas necessidades atendidas, construindo cidades que considerem sua realidade e seu direito a uma vida digna”, destaca.
Layanne Paixão
Layanne Paixão assumiu o cargo de Diretora Geral da TETO Brasil neste ano, mas ingressou na instituição como Gestora das Sedes da TETO no Nordeste em 2021. Após pouco mais de um ano, aceitou o desafio de assumir a Gerência de Operações da TETO Brasil e passou a liderar uma equipe de seis pessoas. Esse período foi marcante para seu desenvolvimento como liderança e exigiu adaptações às necessidades emergentes da organização.
Formada no Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, pela Universidade Federal da Bahia, Layanne sonha em proporcionar moradias dignas para um número cada vez maior de famílias e comunidades. Para Layanne, observar o protagonismo feminino na TETO é extremamente reconfortante e pode ser um exemplo para outras mulheres:
“Ao longo da minha história, trabalhei e me conectei com mulheres incríveis, com diferentes bagagens e trajetórias, que encontram incentivo e espaço para crescer na TETO, pois é uma organização que tem a diversidade como um valor. Liderar uma organização do porte da TETO, para mim, é representar milhares de mulheres que lideram suas diferentes causas e, ao mesmo tempo, acredito que muitas outras possam me ver aqui e acreditar que é possível. O espaço de liderança é, sim, um lugar para as mulheres, e organizações como a nossa têm um papel fundamental em facilitar esse processo de inclusão e crescimento”.
Giovanna Maradei
A jornalista e publicitária Giovanna Maradei é Gerente Nacional de Comunicação da TETO Brasil desde 2019. Mas seu primeiro contato com a instituição ocorreu em 2015, quando ela participou voluntariamente de ações como a ECO (Escutando a Comunidade). Giovanna também foi voluntária pontual de comunicação e, em 2018, se tornou voluntária fixa de comunicação digital. Em 2019, ela foi contratada para a vaga de Gerência Nacional de Comunicação e, desde então, cuida da evolução e reputação da TETO.
“Quando entrei na TETO, fiquei bastante surpresa com o compromisso com a equidade de gênero que existe na organização. Essa sempre foi uma causa muito importante para mim e, como profissional, sempre trabalhei em ambientes majoritariamente femininos, então estava até com medo de como seria essa nova etapa. Depois de cinco anos atuando no terceiro setor, acredito que sim, é inegável que se trata de um segmento com mais representatividade feminina, mas isso não significa que alcançamos uma equidade ideal”, afirma.
“Pelo contrário, vejo que muitas mulheres acabam ficando pelo caminho. Somos a maioria entre pessoas voluntárias, a maioria nos cargos mais operativos, mas a maior parte dos cargos de alta liderança ainda são ocupados por homens. Um board estratégico 100% feminino ou com mais de 60% dos cargos ocupados por mulheres, como é o nosso atualmente, sinceramente, não sei se existe outro. Espero que ele possa servir de inspiração para a nossa comunidade voluntária e para o terceiro setor como um todo!”, completa.
Juliana Martins
Formada em História pela UERJ (Bacharelado, Licenciatura e Mestrado) e em Comunicação e Marketing pelo Centro Universitário IBMR, Juliana é Coordenadora de Doadores Individuais da TETO. Ela ingressou na organização no início de 2021, durante sua transição de carreira e buscava uma oportunidade para aplicar seus novos conhecimentos sobre comunicação. Juliana atuou voluntariamente como Analista de Conteúdo, na criação de campanhas de captação de recursos para o programa de doações mensais Amigos da TETO.
A cada campanha que Juliana criava e a cada história de transformação que contava, mais ela se apaixonava pela causa, pelo impacto e pelo poder de agir em conjunto da TETO. Em 2022, ela foi contratada para o cargo de Coordenadora de Doadores Individuais e, desde então, tem a honra e o orgulho de dizer que é responsável por toda a captação de recursos com indivíduos da TETO Brasil.
“A TETO é uma organização que atua diretamente pelo fim da desigualdade social no Brasil e é impossível falarmos sobre injustiça social sem falarmos de desigualdade de gênero, sobretudo no Brasil onde a maioria das pessoas em situação de pobreza são mulheres. Além do que nos dizem as estatísticas, esse fato fica evidente quando estamos nos territórios invisibilizados onde a TETO atua, em que a maioria das chefes de família e lideranças comunitárias são mulheres”, analisa Juliana.
“A TETO ser uma organização majoritariamente composta por mulheres é representativo de como o trabalho de uma OSC por uma sociedade melhor e mais justa pode e deve ir além do que é feito na ponta. A luta pelo fim das desigualdades, independente da causa, precisa estar no DNA e na cultura das organizações do terceiro setor, com ações efetivas que promovam a igualdade também de dentro para fora, sendo o gênero apenas uma delas”, finaliza.
Ingrid Weber
A engenheira ambiental Ingrid Weber assumiu a posição de Coordenadora Social Nacional na TETO Brasil neste ano. Isso significa que ela gerencia as áreas sociais da organização em nível nacional, lidando com temas essenciais como gestão comunitária, infraestrutura, habitat e diagnóstico.
De maneira semelhante a outras lideranças femininas, seu primeiro envolvimento com a TETO foi como voluntária em 2018. Em 2024, Ingrid assumiu a Coordenação de WASH (Água, Saneamento e Higiene), cargo que antes fazia parte da Gerência Social. Atualmente, Ingrid está concluindo seu mestrado em Planejamento Urbano e Regional na UFRJ, com uma pesquisa focada na Ecologia Política da Água e no Privilégio Ambiental.
Para Ingrid, a TETO Brasil se destaca por ser uma organização liderada por mulheres, e isso se reflete em diversos aspectos da atuação da organização. Porém, ela também destaca que a representatividade sozinha não é suficiente para resolver problemas estruturais e sistêmicos
“Vale ressaltar que a TETO é uma organização liderada, também, por mulheres não brancas e pessoas LGBTQIAP+, e essa interseccionalidade carrega ainda mais representatividade e olhares específicos e necessários aos territórios em que atuamos. Há muito a caminhar: a representatividade sozinha não resolve muita coisa, na minha opinião, já que estamos falando de problemas fundamentalmente estruturais. Isso se reflete na apropriação da pauta da liderança feminina por organizações do terceiro setor mas, principalmente, por organizações privadas orientadas aos interesses do mercado. É importante ter um olhar vigilante interno e externo. No entanto, a representatividade feminina é, sem dúvidas, um passo enorme pelo qual a TETO já colhe muitos frutos e que me faz ter muito orgulho da organização”, pontua.
*editora do blog da TETO Brasil