*Por Melina Cattoni
Há quem acredite que saúde mental é algo abstrato e íntimo. Mas basta passar uma tarde em uma viela alagada, em uma estrutura improvisada, estreita e sem nenhuma privacidade, para compreender que o sofrimento psíquico é também fruto do território. Como cuidar da mente em contextos que impõem tanta insegurança e precariedade?
É por isso que, neste Setembro Amarelo, a TETO Brasil decidiu falar sobre saúde mental a partir de um ponto de vista que muitas pessoas ignoram: a moradia digna. Discutir a prevenção ao suicídio e o sofrimento emocional exige ir além do acolhimento individual. É preciso enfrentar as estruturas que geram adoecimento.
Jardim Lapenna: onde moradia digna virou cuidado coletivo
Jardim Lapenna, Zona Leste de São Paulo (SP). Em meio a um cenário marcado pela vulnerabilidade social, 50 moradias foram construídas por meio de uma força-tarefa entre comunidade, voluntariado e três organizações: TETO, Fundação Tide Setubal e Gerando Falcões.
A liderança comunitária Viviane de Carvalho, conhecida como Bia, observou a mudança acontecer nos detalhes e nas pessoas. Em suas palavras:
“Conhecia todos os moradores, com suas moradias vulneráveis, antes da entrega das casas construídas pela TETO. Depois que o projeto chegou, foi criada uma expectativa. A TETO chegou de repente e fomos trabalhar em campo com todos. O papel da liderança comunitária é esse também: fazer as pessoas se engajarem e acreditarem que a gente consegue fazer um território forte, mesmo que elas sejam vulneráveis”.
“A entrega das casas destacou uma nova personalidade neles, criou uma sensação de conquista, a personalidade mudou, a mente deles evoluiu depois da TETO. Eles moravam em um espaço apertado, onde a privacidade e o conforto eram quase inexistentes. Não eram casas. Agora eu vejo gente que quer abrir salão LGBT, conquistar várias coisas”, acrescenta.
Moradia digna e saúde mental: o que os dados revelam
O impacto que Bia viu e sentiu na comunidade também é confirmado por pesquisas nacionais sobre saúde mental e vulnerabilidade.
Um estudo realizado pelo Instituto Cactus, em parceria com o Instituto Veredas, mostra como a saúde mental é atravessada pelas condições materiais de vida. Segundo a publicação Caminhos em Saúde Mental, fica claro que o bem-estar emocional exige mais do que tratamento: requer vínculo, segurança, acesso a bens culturais, possibilidade de escolha. Requer futuro.
É o que falta para a juventude periférica brasileira, como revela o Panorama da Saúde Mental 2024, levantamento realizado pelo Instituto Cactus em parceria com a AtlasIntel: os jovens entre 16 e 24 anos, faixa etária mais presente nas periferias urbanas, têm os menores índices de saúde mental do país (ICASM: 575). Ele é ainda menor entre aqueles que convivem com violações contínuas, como insegurança alimentar e falta de oportunidades.
Moradia digna é zelar pela vida: o bem-estar começa pelo território
O cenário se torna ainda mais delicado quando há instabilidade financeira. De acordo com o mesmo estudo, 81% das pessoas entrevistadas disseram estar preocupadas com sua situação econômica. Entre elas, o índice de saúde mental caiu para 639 pontos. Já entre quem não enfrenta essa insegurança, o número salta para 861.
No Jardim Lapenna,Valdirene da Silva, ganhou uma nova moradia construída pela TETO Brasil. Segundo ela, isso lhe trouxe uma sensação de paz: um lugar seguro e confortável onde o neto pode crescer sem medo da água invadir seu lar.
É isso que move a TETO Brasil: o propósito de que transformar o território é também mudar vidas. Somos uma organização que atua pela diminuição da pobreza, mobilizando voluntários e comunidades para construírem soluções inteligentes, como moradias resilientes, espaços comunitários — e simbólicas, como confiança, pertencimento.
Cada uma dessas vozes reforça o que as pesquisas já indicam: condições dignas de moradia influenciam a saúde mental. E é por isso que, neste Setembro Amarelo, escolher falar de moradia é também cuidar da vida.
O trabalho da TETO Brasil é possível graças a quem acredita na transformação dos territórios. Seguimos construindo moradias, vínculos e futuros possíveis! Clique aqui para fazer uma doação!
*redatora do blog da TETO Brasil