
*Por Melina Cattoni
O Brasil vive, frequentemente, a sobreposição de duas emergências: a climática e a habitacional. Cada uma, por si só, já é grave. Imagine quando são em favelas e comunidades invisibilizadas que essas crises se encontram, dia após dia. E é justamente nesses espaços, onde a urgência é cotidiana, que moram também respostas para pensarmos um futuro justo e possível.
É com esse olhar que a TETO Brasil lança, em parceria com o Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper, o Panorama Climático das Favelas e Comunidades Invisibilizadas. O estudo, em sua segunda edição, reúne dados e vozes de 119 territórios em 51 municípios de todas as regiões do país. O objetivo é compreender como as mudanças climáticas afetam as comunidades mais vulnerabilizadas e o que pode ser feito — com elas e por elas — para transformar essa realidade.
A crise climática tem CEP e ele é periférico
A pesquisa traz à luz o cotidiano de comunidades que não estão nos mapas das políticas públicas, mas que são atingidas por enchentes, secas, ondas de calor e deslizamentos. Os números que emergem dessa escuta são contundentes: 86% das comunidades enfrentaram ao menos um evento climático extremo no último ano.
Na Vila Costaneira (RS), por exemplo, a enchente de 2024 foi um divisor de águas. A água invadiu casas, destruiu memórias e desfez estruturas. Os moradores do local falam de perdas emocionais e materiais. Mesmo assim, as comunidades atingidas pelas enchentes se reergueram com a ajuda de redes solidárias, como a da TETO.
Quando a chuva ou o calor extremo chegam, os danos são extremamente prejudiciais: 70% dos territórios não possuem abrigos de emergência, 60% não contam com obras de contenção, e 70% não têm sistemas de drenagem. Na City (SP), essa vulnerabilidade se materializa em forma de barro: quando chove, a ladeira de terra vira lamaçal e casas inteiras ficam isoladas. Uma moradora contou que já perdeu eletrodomésticos em alagamentos, mas nunca recebeu resposta dos órgãos públicos. Ali, a resistência também é visível nas redes de vizinhos, nos mutirões e na mobilização para melhorar a estrutura local.
Os dados contam parte dessa vivência. Por isso, o Panorama Climático se apoia também nas vozes de quem vive nesses territórios e mostra que escutar é o primeiro passo para construir soluções inteligentes.
A cor e o peso da crise climática
E não são apenas os eventos em si que resultam em tragédia. Ela também nasce da ausência de suporte, de infraestrutura, de plano e de futuro. Como a maioria das comunidades não possui sistema de drenagem, abrigos emergenciais ou pontos de contenção, quando a chuva chega, casas são destruídas.
Quase 70% das comunidades não têm acesso a saneamento básico, e 80% das moradias estão localizadas às margens de corpos hídricos, sujeitas a alagamentos, contaminações e desastres. A desigualdade é climática, mas também social, institucional, ambiental e, sobretudo, racial.
O racismo ambiental também se manifesta nesse diagnóstico. Segundo o Censo de 2022, 73% da população que vive em favelas e comunidades urbanas se declara negra. No Quilombo Quingoma (BA), isso se materializa no enfrentamento constante contra o desmatamento e a poluição dos riachos, aliados ao racismo ambiental que dificultam o acesso a direitos básicos. Moradores relatam que a falta de saneamento faz com que crianças adoeçam com frequência. Ainda assim, a comunidade mantém viva a organização comunitária, a luta pelo território e pela ancestralidade.
Os moradores relatam que a falta de saneamento faz com que crianças adoeçam com frequência. Ainda assim, a comunidade mantém viva a organização comunitária, a luta pelo território e pela ancestralidade.
E quando o alimento falta, a desigualdade se torna ainda mais concreta. Dois em cada cinco territórios ouvidos relataram que pessoas passam fome. Na Sacara (AM), por exemplo, os moradores contaram como a seca do rio dificultou o transporte, os peixes rarearam, e a agricultura familiar perdeu força. A fome, dizem, voltou a rondar a mesa.
TETO constrói soluções inteligentes para minimizar efeitos da crise climática

Para enfrentar a crise climática de forma justa, é urgente incluir essas vozes nas tomadas de decisão. Como cita o Insper: “A adaptação tem que ser incorporada em todos os setores, de maneira transversal. E, nesse processo, as comunidades devem ser protagonistas, fontes de saber — não apenas receptoras de intervenções.”
Nossa organização tem se reestruturado à altura do desafio. Por meio da sua Estratégia Climática e projetos como moradia resiliente, a TETO Brasil integra a perspectiva socioambiental em suas ações.
Isso significa projetar moradias que resistam às chuvas, fortalecer a captação de água da chuva, apoiar hortas comunitárias e ampliar o diálogo com lideranças locais. Para a TETO, o combate à emergência climática exige atuação em três frentes: infraestrutura, mobilização comunitária e incidência política.
Um chamado à ação: o tempo de mudança é agora
A publicação deste Panorama, às vésperas da COP 30 no Brasil, é mais do que um diagnóstico: é um convite à ação. Um chamado para governos, empresas, universidades e sociedade civil: a crise climática é também uma crise de justiça social. E não há solução sustentável sem enfrentar, de forma estruturada, o racismo ambiental, a desigualdade urbana e o déficit habitacional.
Como nos lembra a experiência dos territórios, o futuro climático chegou. A dúvida é: vamos continuar negligenciando seus alertas ou vamos agir para redesenhar esse futuro incluindo espaços vulnerabilizados?
Convidamos você a ler o estudo completo e conhecer as soluções que a TETO Brasil desenvolve, junto às comunidades, para enfrentar os desafios da crise climática nos territórios.
*Redatora do blog da TETO Brasil