A data de 20 de novembro é definida no Brasil como o “Dia da Consciência Negra”. Ela relembra a luta da população negra contra a opressão e é uma oportunidade para aumentar as reflexões sobre a relação entre as desigualdades sociais e o racismo.
Neste sentido e com a intenção de colaborar com a construção de uma sociedade anti-racista, aproveitamos a data para contar a história de Naiara Rocha, uma dentre inúmeras mulheres que enfrentam, para além dos desafios impostos pelo desemprego, a maternidade solo, e uma realidade de violência doméstica, o preconceito racial.
Negra, mãe de quatro filhos e moradora da comunidade Guarani Kaiowá, em Contagem (MG), Naiara conheceu a TETO Brasil em 2018, em uma atividade de construção de moradias emergenciais, que se deu após fortes chuvas acometerem o local. De lá para cá, ela começou a se reconhecer como líder, alguém capaz de mobilizar sua comunidade em prol da construção de outras soluções, além daquelas primeiras moradias.
Hoje, apesar de todas as adversidades, Naiara é uma liderança comunitária que luta para melhorar não apenas o bem-estar da própria família, como de todos os moradores de Guarani Kaiowá. Entre suas principais conquistas estão a reforma do centro social, a asfaltagem em um trecho do local e a obtenção de coleta de lixo.
“Ser liderança é bom, mas é um desafio. Você cuida de muita gente, mas as pessoas não cuidam de você. É um papel muito difícil, a gente não ganha nada para ser liderança, você tem que intervir em situações de emergência, mas é desafiador e bom, você empodera as pessoas, vê o trabalho fluindo”, relata.
Referência Comunitária Premiada
O trabalho de Naiara é tão significativo que, em julho deste ano, ela recebeu o Prêmio Ifigênia Francisca, concedido pela prefeitura de Contagem. A homenagem destaca o trabalho de mulheres atuantes no município, em especial, as negras, e visa estimular a inclusão social, por meio do fortalecimento da reflexão acerca das desigualdades enfrentadas nos mais diversos âmbitos da sociedade, perpetuando, assim, o legado e luta de Dona Efigênia Francisca, importante liderança da comunidade Os Ciríacos, criadora da Guarda de Congo feminina, sendo a sua primeira capitã, matriarca da comunidade.
A premiação reconheceu a atuação de Naiara no campo da política das mulheres graças ao Projeto Geração GK, que oferece apoio psicológico para as famílias da comunidade, realiza palestras sobre violência doméstica e saúde mental e oferece aulas de reforço escolar.
“Foi lindo ganhar esse prêmio e representar as mães negras e solteiras.”, comenta Naiara.
As dificuldades de ser uma mulher negra
Mesmo com todo o reconhecimento e conquista, Naiara ainda destaca que uma de suas principais dificuldades continua sendo ter voz ativa. Simplesmente ver uma demanda, levar para o órgão competente e ter algum retorno.
“Tem o preconceito da sociedade que rejeita a gente, mulher negra e mãe solo, a sociedade nos vê como se não fossemos ninguém.”, conta a liderança comunitária. “É muito constrangedor, mas estamos aqui para lutar para mudar essa realidade. Falo para as minhas meninas: ‘Não é porque você é negra que tem que recuar”, destaca.
O sonho de uma liderança comunitária
Junto com sua comunidade, com a TETO e com o apoio de outras organizações, Naiara já conquistou muito, mas continua tendo muitos sonhos para sua família e a comunidade de Guarani Kaiowá. Entre eles está deixar uma casa e uma estrutura melhor para os filhos e ver a comunidade de Guarani Kaiowá urbanizada, com o centro social repleto de computadores e uma sala de balé.
Números sobre racismo no Brasil
A história de vida de Naiara representa muito mais do que números. Porém, é impossível deixar de citá-los para contá-la.
Segundo o FGV IBRE, o número de mães solo aumentou 17,8% na última década, passando de 9,6 milhões em 2012 para 11,3 milhões em 2022. O estudo mostra que houve um crescimento de mães solo negras (que passou de 5,4 milhões para 6,9 milhões) enquanto o número de mães autodeclaradas brancas e amarelas permaneceu estável.
Além da sobrecarga doméstica e do cuidado dos filhos, as mães solo enfrentam desafios adicionais para se inserirem no mercado de trabalho. Isso ocorre porque, na maioria das vezes, não podem contar com outras pessoas para dividir despesas financeiras ou com uma rede de apoio que possibilite conciliar, maternidade, estudo e trabalho.
A pesquisa mostra que, de todas as mães solo entre 15 e 60 anos, 29,4% estão fora da força, 7,2% estão desempregadas e 63,3% estão ocupadas. Os indicadores pioram entre mães solo negras com filhos pequenos: 34,6% estão fora da força de trabalho e 11,6% estão desempregadas, percentuais bem maiores em comparação ao grupo de mães solo brancas/ amarelas.