*Por Ygor Santos Melo
Ontem foi celebrado o Dia da Habitação, o que é um ótimo ensejo para a reflexão: E se todos os brasileiros tivessem um lugar digno para viver?
Você já pensou como seria? Imaginar um cenário onde todos os cidadãos
tenham uma casa é um exercício interessante. No contexto brasileiro, estou convencido de que a habitação é uma prioridade fundamental em nosso processo nacional de desenvolvimento civilizatório.
Mas não basta conquistar uma unidade habitacional! É necessário pensar o direito à moradia de maneira ampla, equacionando o acesso à terra urbanizada, segura, com serviços básicos, acessível e adequada culturalmente. Ressalto também que não se resolve o problema da habitação apenas construindo casas. São necessárias ações coordenadas, que envolvam aspectos de urbanização, regularização, melhorias habitacionais e ações emergenciais, com objetivo de não deixar ninguém de fora.
Afinal, quem precisa morar, precisa morar agora!
Sendo assim, deixo abaixo algumas notas iniciais sobre os efeitos sobre um país onde todos possuam casas dignas para se viver.
Redução da Desigualdade
Já imaginou todo mundo com um endereço? Todo mundo podendo convidar os colegas para estudar em casa ou fazer um churrasco, sem ter vergonha da sua casa? Já pensou todo mundo com um ambiente arejado, bonito e seguro? Garantir esses e múltiplos outros aspectos diminuiria muito nossas desigualdades! Mas investir em habitação de maneira ampla requer redistribuição de renda, reforma agrária, reforma urbana, etc. Não é tarefa fácil!
A casa é um sustentáculo para que os outros aspectos da cidadania possam ser desenvolvidos. Hoje, vivem nas favelas mais precárias do país pessoas submetidas a fome, desemprego, violência, baixa escolaridade, saúde debilidade, acesso limitado a serviços básicos.
Em sua maioria negras e mulheres, conformem apontam dados da TETO Brasil: nas favelas mais precárias, 70,57% das pessoas são pretas ou pardas, 49,41% mulheres (48,20% homens e 2,4% de pessoas que se identificam com outros gêneros).Ou seja, investir em reduzir a disparidade de acesso à habitação é também investir estrategicamente nessas outras dimensões da desigualdade, reduzindo-as.
Estabilidade Social, emocional e autonomia
Imagine chegar alguém agora e remover sua casa? Imagine que na sua casa pode desmoronar na próxima chuva ou vento forte? Ter um lar estável contribui para a estabilidade emocional e social das pessoas.
Isso pode levar a uma sociedade mais coesa, onde as pessoas têm menos preocupações urgentes e podem se concentrar em outros aspectos de suas vidas. Poder ir trabalhar e saber que sua casa estará segura? Poder se abrigar do frio? Poder ter um patrimônio de estabilidade para próximas gerações? O acesso a bens duráveis como a casa possibilita um significativo ganho de identidade e autonomia!
Impacto na Saúde e Educação
Imagine você vivendo em um ambiente escuro, sem janelas, mofado e suscetível a entrada de animais peçonhentos? Milhões precisam conviver com isso. Com uma habitação segura, as crianças teriam um ambiente mais propício para estudar e se desenvolver, enquanto adultos viveriam em condições que promovem bem-estar físico e mental.
Consegue imaginar milhões de crianças com mais possibilidades de irem bem na escola e pais mais estáveis fisicamente e emocionalmente, com mais capacidade de promover um desenvolvimento cidadão para suas gerações futuras?
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Estímulo à Economia
A posse de uma casa poderia permitir que as pessoas investissem em suas comunidades e regiões, estimulando a economia local e promovendo a criação de empregos. Por outro lado, a construção, reforma e gestão de políticas habitacionais tão amplas como essa representariam ganhos econômicos expressivos, muitas pessoas empregadas e novos espaços de qualidade construídos.
Além disso, teríamos ganhos ambientais enormes! Com pessoas não precisando morar á margem de córregos, nos mananciais ou desmatando zonas de preservação, sendo que existe terra e espaço urbano para que todas as pessoas possam morar. Sim, todas. 100%.
No entanto, hoje destaco também os obstáculos para que esse horizonte ainda pareça distante:
Desigualdade Atual
A desigualdade histórica de acesso à terra e à moradia no Brasil é um entrave, com as marcas do colonialismo e escravidão. A concentração de propriedade é um obstáculo que exige reformas estruturais (Agrária e Urbana, por exemplo).
Propriedade e Especulação
O setor imobiliário, motivado unicamente pelo lucro, perpetua a especulação e a concentração de propriedades. Destaco a necessidade de transformar a propriedade da terra em um bem comum, rompendo com essa dinâmica.
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Infraestrutura e Planejamento
A visão de proporcionar habitações dignas requer infraestrutura adequada e planejamento urbano eficiente. Em uma perspectiva ampla, isso exige uma mudança de foco da maximização do lucro para o atendimento das necessidades humanas
Hoje infelizmente vivemos uma tragédia, onde milhões de pessoas não possuem um lugar digno para viver. E não falo de um lugar qualquer. Sempre lidei com esse desafio muito de perto, pois nasci e cresci em uma casa autoconstruída, erguida pelas mãos de meus pais em num loteamento clandestino na periferia da Região Metropolitana de São Paulo. E o trabalho na TETO Brasil intensificou essa reflexão.
Precisamos abordar de maneira precisa e séria o problema da habitação. Não existem soluções simples para problemas complexos. Não tem bala de prata.
Por isso, ações fundamentas, coordenadas, precisas e corajosas precisam seguir florescendo.
Infelizmente, o Dia da Habitação segue sendo um dia de profunda indignação.
* Ygor Santos Melo é gerente das áreas sociais da TETO Brasil