Pesquisa da FGV e TETO Brasil revela que Programa de Moradia de Emergência promove a diminuição na necessidade do uso de medicamentos para depressão ou ansiedade e no nível de estresse diário de famílias em situação de vulnerabilidade – mesmo diante da pandemia.
A pandemia de Covid-19 afetou muito a vida dos moradores de favelas nos grandes centros urbanos do país. Dados revelam que 45% dos moradores dessas comunidades economicamente ativos declaram que não estão trabalhando. Além disso, 46,5% das famílias relataram que estão tendo dificuldade para comprar comida e 58% disseram que deixaram de comprar alimentos que geralmente comem. Esses são alguns dos resultados da pesquisa “Covid-19: dificuldades e superações nas favelas”, realizada pelo Centro de Estudos de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (FGV Cepesp) e a TETO.
O estudo, que adiantou alguns dos achados em setembro de 2020, com a publicação de um Sumário Executivo, revelou ainda que 60% dos moradores entrevistados afirmaram terem recebido o Auxílio Emergencial do governo; 56% afirmaram que receberam ajuda de ONGs e entidades afins e 20% receberam ajuda de governos subnacionais. Para a maioria (78%) das famílias ouvidas, são as ONGs as que mais ajudam.
Na pesquisa completa, divulgado no dia 03 de novembro, um novo dado chama atenção: o impacto de soluções emergenciais, como a construção de uma moradia de emergência, na sensação de bem-estar subjetivo das famílias que hoje vivem em situação de extrema vulnerabilidade.
A pesquisa aponta que a pandemia não tem impactos diretos apenas na saúde e no bolso das famílias, ela também afeta a autoestima, perspectivas de futuro e moral das comunidades. Com o isolamento, a falta de emprego e o número maior de casos e mortes nas periferias por causa da Covid-19, as famílias que vivem em favelas precárias passam a sofrer perdas emocionais consideráveis e, portanto, sentimentos como o de solidão, medo, angústia e tristeza são amplamente citados como fatores agravados pela crise.
No entanto, entre os beneficiários das moradias de emergência, os resultados são claros: as famílias que fizeram parte do programa da TETO identificam uma melhora no sentimento de solidão e uma diminuição nos níveis de preocupação. Mesmo nos casos em que houve deterioração emocional, ela foi menos impactante entre os grupos que haviam recebido as moradias de emergência e notou-se uma significativa diminuição na necessidade de uso de medicamentos para depressão ou ansiedade, bem como diminuição no nível de estresse diário.
De acordo com Leonardo Bueno, pesquisador da FGV Cepesp “A pesquisa deixa claro que os moradores de favelas foram profundamente prejudicados pela crise de Covid-19. Não apenas sofreram com substanciais perdas humanas como também agora sabemos que sofrem os efeitos colaterais da crise. Não apenas fome e desemprego, como também efeitos emocionais. As questões de moradia precária e aglomeração urbana agravaram o quadro de exposição ao vírus, pois foi difícil para essa população se manter isolada e protegida no auge da crise. As moradias de emergência aliviaram a pressão sobre bem-estar psicológico, mas tiveram pouco efeito sobre medidas de prevenção contra a Covid-19”.
Ao todo, em 2020, foram realizadas 524 entrevistas quantitativas (374 com a amostra da avaliação de impacto e 150 com pessoas cadastradas em outras pesquisas da TETO, somando 31 comunidades espalhadas pelos seis estados que a TETO atuava desde o início da pesquisa: SP, RJ, BA, PE, PR e MG. Houve ainda pesquisas qualitativas com 56 lideranças comunitárias, que foram entrevistadas entre os meses de maio e junho de 2020, nesses seis estados. Na América Latina, a mesma entrevista foi realizada com 196 lideranças comunitárias em 16 dos 18 países em que a TETO está presente.
O estudo está organizado em sete temáticas principais que, juntas, formam o detalhado diagnóstico da crise nas favelas do Brasil: infraestrutura precária e acesso à água; adesão às práticas de isolamento físico/social; emoções (dimensões de saúde mental e bem-estar subjetivo); vulnerabilidades (econômicas e sociais); políticas públicas; capacidades comunitárias; e solidariedade.
Em relação à adesão às práticas da quarentena, os dois maiores motivos que os moradores tiveram para sair de casa foram: ter que ir trabalhar (25%) e comprar comida (39%). Para evitar a disseminação do coronavírus, a população afirmou que adota como medidas: uso de máscara (72%); lavar as mãos (55%); passar álcool em gel (55%). Por outro lado, evitar aglomerações (9%) e manter a distância (6%) foram os itens menos citados.
Entre os piores motivos para fazer o isolamento social em suas respectivas casas, 30% relataram a falta de lazer (incluindo entretenimento, como TV e internet); 22,7% dizem que a pior coisa de ficar em casa é a falta de trabalho e renda; 14,7% destacam solidão e depressão; 5,6% a infraestrutura da moradia; e 2,7% a fome.
Para Camila Jordan, Diretora Executiva da TETO Brasil, “a maior conquista da pesquisa conjunta entre FGV – CEPESP e TETO é a obrigação coletiva gerada para a sociedade brasileira de olhar nos olhos da realidade da desigualdade e pobreza e apoiar os territórios mais vulneráveis do nosso país. Pesquisas acadêmicas podem ser extremamente removidas do território – mas a pesquisa, pelo olhar do Leonardo Bueno (PhD) que mergulhou na TETO, foi uma pesquisa que não só transformou a nossa organização positivamente mas também fez algo crucial: contou para Brasil a história de como as pessoas mais vulneráveis sobreviveram à pandemia e superaram os desafios desiguais e injustos que ela amplificou”.
Baixe a pesquisa completa