*Por Camila Jordan
Este artigo foi originalmente publicado no Observatório do Terceiro Setor.
Quando debatemos a crise climática, o foco costuma recair sobre questões de escala nacional e internacional, como emissões de gases de efeito estufa, desmatamento ou respostas emergenciais a desastres. E não se enganem: tudo isso é fundamental — foram décadas de luta para que chegássemos a esse patamar de discussão.
No entanto, não podemos parar por aqui. Precisamos seguir evoluindo e, acima de tudo, incluindo. É nas periferias, favelas e comunidades invisibilizadas que os impactos se revelam de forma mais cruel e imediata: casas alagadas, barracos destruídos, adultos e crianças que não conseguem dormir com medo da chuva. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), quem vive em periferias tem 15 vezes mais chances de morrer em eventos climáticos extremos.
Ainda assim, esses territórios seguem excluídos dos principais debates sobre clima e não recebem os recursos necessários para construir resiliência e ir além da sobrevivência. A crise climática intensifica a emergência habitacional silenciosa e agrava desigualdades históricas no país.
Milhões de pessoas convivem diariamente com riscos ambientais potencializados pela ausência de políticas públicas efetivas. Faltam não apenas estudos que documentem essa realidade, mas também planos inclusivos acompanhados de recursos concretos.
O Panorama Climático, estudo da TETO Brasil em parceria com o Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper, surge para responder a essa lacuna, trazendo dados inéditos a partir das percepções e experiências de lideranças comunitárias e moradores desses territórios — informações capazes de orientar decisões e impulsionar transformações estruturais.
O que torna o Panorama Climático um estudo inédito no Brasil é justamente o seu ponto de partida: as favelas e comunidades invisibilizadas. Enquanto a maioria das pesquisas e estudos climáticos foca em recortes nacionais, grandes centros urbanos ou biomas estratégicos, este estudo mergulha em 119 territórios que raramente aparecem nas estatísticas oficiais.
Mais do que números, o levantamento valoriza as vozes e percepções de lideranças comunitárias e moradores, trazendo para o centro da discussão quem vive cotidianamente os efeitos da crise climática.
Outro elemento de inovação é a coleta de dados primários em escala nacional, feita em parceria com organizações e comunidades de diferentes regiões e realidades do país.
O estudo revela como os impactos se manifestam de forma desigual — do calor extremo, às enchentes recorrentes que devastam muitas vezes de forma silenciosa a vida de milhões de pessoas. Essa diversidade de realidades expõe como a crise climática não é apenas um fenômeno ambiental, mas também um fator que amplia a injustiça estrutural social e urbana do nosso país.
Além disso, o Panorama Climático não se limita a diagnosticar problemas: ele apresenta soluções que as comunidades já estão implementando, e sugestões dos próprios territórios sobre o que deve ser feito, se tornando assim também uma ferramenta de incidência política, ao oferecer evidências concretas que podem orientar políticas públicas, investimentos e estratégias de adaptação climática com foco nos territórios historicamente negligenciados.
Num contexto em que a comunicação sobre a crise climática muitas vezes se distancia da vida real das pessoas, o Panorama Climático assume um papel estratégico.
Existe hoje uma verdadeira guerra de narrativas: de um lado, setores organizados da extrema direita que avançam na disputa da comunicação pública; de outro, parte do movimento climático que ainda não consegue traduzir a urgência ambiental em mensagens que conectem com a experiência cotidiana das maiorias. Nesse vácuo, o discurso sobre clima e a realidade concreta das comunidades ficam desconectados.
É nesse ponto que o Panorama Climático se torna um elo fundamental entre a crise climática e a realidade e vida das pessoas. O estudo traz dados primários, depoimentos e experiências diretas das comunidades para os espaços de decisão, de formulação de políticas públicas e de alocação de recursos. Ao aproximar evidências e narrativas vividas, a iniciativa amplia a capacidade de incidir e fortalece a luta por justiça climática e urbana para todas e todos.
O lançamento do Panorama Climático, dia 14 de outubro em Brasília (se inscreva aqui), será mais do que a apresentação de um estudo inédito: será a oportunidade de colocar as periferias, favelas e comunidades invisibilizadas no centro da agenda climática brasileira.
Ao reconhecer que a luta contra a crise climática passa, necessariamente, pela superação da emergência habitacional, pela priorização dos territórios mais vulnerabilizados e pela construção de cidades justas e resilientes, abrimos caminho para políticas públicas eficazes e para um debate público honesto.
Esse é o convite que faço: olhar para onde poucos olham, ouvir quem quase nunca é ouvido e construir, juntos, respostas que estejam à altura do desafio do nosso tempo.
*Diretora de Relações Institucionais e Incidência da TETO Brasil