A Proposta de Emenda Constitucional 55 (antiga PEC 241, na Câmara) foi aprovada em segundo turno no Senado, na terça-feira 13, com 53 votos a favor e 16 contrários à medida. A Emenda tem como objetivo criar um teto para os gastos públicos do Governo Federal para evitar que as despesas cresçam acima da inflação, em um prazo de 20 anos. Ou seja, o limite está estabelecido com base nos gastos feitos na área no ano anterior, somado à inflação.
No entanto, de acordo com o portal FGV DAPP – Transparência Orçamentária, mais de 50% do orçamento federal é utilizado em encargos especiais, como o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, e em previdência social. Sendo previdência social um gasto obrigatório, esse percentual tende a crescer nas condições atuais, independente de haver um teto para os gastos públicos devido ao envelhecimento da população e a entrada constante de pessoas no sistema previdenciário. Com a proposta de congelar este montante investido, ajustado apenas pela inflação, o crescimento do gasto em determinada área deverá ser compensado com corte em outra.
(Infografia publicada em 23 de outubro de 2016, pelo G1)
As áreas sociais, por sua vez, representam menos de 15% desse orçamento, sendo cerca de 4% com saúde, outros 4% em educação e de 3% com assistência social, segundo o mesmo portal FGV DAPP. Se essas áreas não forem tratadas como prioridade, o risco é de se lançar um número ainda maior de brasileiros/as na pobreza.
Saúde
Nas favelas em que atuamos, 44% da população acessou o serviço público de saúde nos últimos 3 meses. Cerca de 12% sofre de doenças crônicas (como hipertensão, diabetes, câncer, doenças renais, obesidade, hepatite, HIV e outras), sendo mais da metade de idosos/as, cujo acesso aos hospitais é feito principalmente a pé, bicicleta ou via transporte público, com um tempo médio de 30 minutos de deslocamento.
O Conselho Nacional de Saúde afirma que a PEC pode sucatear o Sistema Único de Saúde (SUS), utilizado principalmente pela população de baixa renda que não possui planos privados. Considerando que o investimento atual no SUS ainda é insuficiente para um serviço público de qualidade, com grandes falhas como a falta de médicos, longas filas de espera e falta de equipamentos. Com a aprovação da PEC, esse cenário tende a se agravar com o tempo. Segundo o Grupo Técnico Interinstitucional de Discussão sobre o Financiamento do SUS, que está vinculado com o Conselho Nacional de Saúde, estima que a perda acumulada pode chegar a 415 bilhões de reais.
É importante notar que a PEC não estabelece um teto específico para a Saúde e Educação, e sim remodela o cálculo do gasto mínimo que o governo deve executar no período, que fica desvinculado das variações das receitas e passa a ser calculado com base nos gastos referentes ao ano anterior mais a inflação do mesmo período . Assim, mesmo que a economia volte a crescer e, consequentemente, o governo passe a arrecadar mais, o Estado já terá congelado a aplicação de recursos nesses setores considerados críticos e que já não atendem a população como deveriam.
Educação
A educação pública é (ou deveria ser) vista como um motor para diminuir a desigualdade no país. Nas favelas em que o TETO trabalha, 52% dos adultos de 18 a 59 anos não foram completamente alfabetizados. Entre crianças e adolescentes de 4 a 17 anos que vivem no mesmo cenário, 12% delas não frequentam a escola. Situação que nos mostra o desafio para a efetivação plena do direito à educação em nosso país, onde a população mais vulnerável se encontra sobre condições já alarmantes.
Na Educação as mudanças também não projetam um futuro promissor. Hoje, a União é obrigada a aplicar 18% de sua receita líquida de impostos na área, como previsto na Constituição de 1988. A PEC 55 desvinculará essa obrigatoriedade constitucional a partir do orçamento de 2018 e passará a ser calculado também como na Saúde, podendo gerar uma perda acumulada de investimentos enorme.
Salário Mínimo
A proposta também pode levar ao congelamento do salário mínimo, que seria reajustado apenas segundo a inflação, se o Estado não cumprir o teto de gastos estabelecido pela PEC. Ficaria, assim, vetado dar aumento acima da inflação com impacto nas despesas obrigatórias, já que atualmente o salário mínimo está vinculado a benefícios da Previdência.
A regra atual possibilitou o aumento real, acima da inflação, o que ajudou a reduzir o nível de desigualdade ao longo dos últimos anos. Com a possibilidade de alteração da regra oficial de reajuste do salário mínimo, aumentado apenas junto à inflação, o risco é de se criar uma perda real do poder de compra de toda a população.
Habitação
Hoje, em um cenário onde cerca de 11 milhões de pessoas vivem em favelas e existe um déficit habitacional de quase 6 milhões de moradias, as condições de hábitat e habitabilidade podem ficar ainda mais precárias. Segundo o Mobiliza IPPUR, grupo formado por alunos, professores e técnicos do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), os gastos atuais em habitação e em Urbanização de Assentamentos Precários “são absolutamente insuficientes para a condução de uma política de habitação que seja capaz de tratar devidamente a condição atual de moradia da população brasileira. Com a aprovação da PEC 55, (…) vemos um agravamento da escassez de recursos para essas áreas.”
O Mobiliza IPPUR ainda afirma, com base na posição assumida pela Secretaria de Habitação e nas novas regras definidas pelo Ministério das Cidades, que as tendências do Novo Regime Fiscal irão pressionar para que mais famílias fiquem em condições de vulnerabilidade habitacional e assim afastar ainda mais o acesso pleno a uma cidade digna, favorecendo o crescimento das favelas e outras condições de habitação precária.
Sabemos que é necessário um reequilíbrio das contas públicas para que o governo possa ser sustentável. No entanto, a opção de reduzir somente os gastos com as despesas primárias e comprometer os investimentos dos próximos 20 anos do país, em lugar de priorizar alternativas que aumentem as receitas e eficiência do governo na arrecadação, como uma revisão de nosso sistema tributário, faz com que a garantia plena dos direitos sociais da população seja ainda mais difícil de ser alcançada frente à realidade atual do nosso país.
A fixação de um teto para os gastos públicos vem sendo adotada como política fiscal ao redor do mundo desde meados dos anos 1990. No entanto, nenhum país do mundo, de acordo com levantamento feito pela Agência Pública, definiu regras tão rigorosas, como um tempo vigente de 20 anos para conter os gastos públicos. Vale ressaltar que qualquer alteração na PEC só poderá ser realizada a partir do seu décimo primeiro ano.
O Relator Especial da ONU para Extrema Pobreza e Direitos Humanos, Philip Alston, afirma sobre a PEC: “(…) vai atingir com mais força os brasileiros mais pobres e mais vulneráveis, aumentando os níveis de desigualdade em uma sociedade já extremamente desigual e, definitivamente, assinala que para o Brasil os direitos sociais terão uma prioridade muito baixa nos próximos vinte anos.”
Segundo o relator, a proposta “”viola as obrigações do Brasil de acordo com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que o país ratificou em 1992 e que veda a adoção de ‘medidas deliberadamente regressivas’ a não ser que não exista nenhuma outra alternativa é que uma profunda consideração tenha sido feita dada de modo a garantir que as medidas adotadas sejam necessárias e proporcionais”
Uma pesquisa do Datafolha, publicada no mesmo dia da aprovação da PEC, identificou,, que 60% da população estava contra a medida, o que representa 6 em cada 10 brasileiros. Somente 24% se dizia a favor, 4% indiferentes e 12% não responderam. É necessário que estas propostas, que afetam por longo prazo toda a população, sejam amplamente discutidas e levem principalmente em consideração os anseios e dificuldades que ela enfrenta hoje.
O Brasil terá grandes desafios pela frente para superar a crise econômica, política e social. Como organização seguiremos lutando para quebrar as barreiras impostas por essa nova conjuntura. Em um país que demanda justiça social com urgência, trabalharemos com todos e todas e, principalmente, em conjunto com as favelas mais vulneráveis, por uma sociedade de direitos.
*A PEC 55 propõe que os limites impostos pelo Novo Regime Fiscal sejam vigente por 20 anos e possa sofrer alteração do método de correção dos limites depois de 10 anos, se proposto um projeto de lei complementar pelo Presidente da República em exercício. *IBGE, 2010. * Fundação João Pinheiro, 2014.